segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Consumidor de pornografia infantil na Internet pode não ser pedófilo

Consumidor de pornografia infantil na Internet pode não ser pedófilo




Ex-coordenadora do Centro de Estudos em Semiótica e Psicanálise do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica (PUC), em São Paulo, a psicanalista Fani Hisgail desenvolve um trabalho de doutorado em que analisa psicanaliticamente o que foi veiculado pela mídia sobre pedofilia e pornografia infantil eletrônica, nos últimos dez anos, e o discurso jurídico em torno dos fatos. Segundo ela, a Internet provocou um boom da pornografia infantil e, com isso, o problema foi ganhando proporções inimagináveis à medida que qualquer um que possua essas fotos e vídeos e os retransmitam online são tratados como pedófilos. A sociedade passa a julgar a questão a partir de idéias moralistas e preconceituosas e exigem que o problema seja tratado como crime. Mas sem legislação específica, não há crime e se a pedofilia fosse tratada como patologia, o que realmente é, defende, seria possível se proteger contra os abusos.

ISTOÉ Online: Há diferenças entre pedofilia e pornografia infantil na Internet?

Fani Hisgail: A pedofilia, segundo a psiquiatria, é um transtorno sexual como zoofilia, necrofilia e, de acordo com a psicanálise, uma perversão sexual. A pornografia infantil, não importa o meio pelo qual seja veiculada, representa um sintoma da pedofilia. Quando um pedófilo é pego em flagrante, normalmente, está acompanhado desse material que tem a função de seduzir a criança. Ele usa as fotos para fazê-la acreditar que pode participar daquela cena, além de contar histórias sobre Adão e Eva, a origem dos bebês, e tudo mais que povoa o imaginário da criança. E a pornografia infantil sempre existiu, embora o comércio seja ilegal. O problema é que, com o surgimento da Internet, ela passa a ser um sintoma não só da pedofilia, mas da cultura porque existe uma difusão mais rápida e ampla, conta com um número de receptores maior e, assim, torna-se mais visível.

ISTOÉ Online: Então, quem consome pornografia infantil na Web não é necessariamente pedófilo?

Fani Hisgail: Não. Ele pode ser um voyeur, sentir prazer em olhar, um tipo de prazer narcisista. Pode usá-la para se masturbar ou divulgar entre conhecidos.

ISTOÉ Online: A pornografia infantil eletrônica estimula a prática da pedofilia e a produção dessas fotos e vídeos?

Fani Hisgail: Já está estatisticamente comprovado que a pornografia eletrônica tem aumentado. Antes de influenciar, no entanto, ela legaliza e legitima a prática da pedofilia e sua produção. Ela pode estimular o desejo sexual, levar alguns que tenham tal fantasia a realizá-la, provocar um encorajamento no sujeito para que concretize o que antes fazia parte somente de sua imaginação. Há várias tendências ideológicas a respeito. Nos EUA, por exemplo, acredita-se que a pornografia é um grande estimulador de crimes sexuais e que todos que os cometeram tiveram contato com material pornográfico anteriormente. Mas será que isso é determinante? Esse contato provoca efeitos díspares. É preciso estudar caso a caso.

ISTOÉ Online: Por que a pornografia infantil fascina além de adultos, crianças e adolescentes?

Fani Hisgail: Crianças pequenas que navegam na Internet e se deparam com isso vão questionar os pais e, ao ver a reação de preocupação e horror deles, podem vir a sentir pavor da sexualidade. Crianças vivem tentando imitar os adultos. Adolescentes podem encarar como uma brincadeira e passar a retransmitir esse material para confrontar os pais ou pelo prazer de transgredir a lei.

ISTOÉ Online: Pessoas que possuem essas fotos são taxadas como doentes, loucas e perigosas. O que você pensa sobre isso?

Fani Hisgail: O pedófilo sabe o que está fazendo. Mesmo considerando que se trata de uma patologia, ele preserva o entendimento de seus atos o que o diferencia de um psicótico. O fato de a pedofilia ser uma patologia não significa que o pedófilo não deva ser punido. Mas, livre de sua pena, ele geralmente reincide, por isso, precisa ser tratado, ainda que na prisão. O problema é que ele não vai procurar um especialista porque a patologia não o incomoda, ele não sente culpa. Mas, quando se trata de um sintoma da cultura, a pessoa vai procurar ajuda. Ela sente culpa e angústia. A tendência talvez seja encarar a pedofilia como uma doença e separar as coisas.

ISTOÉ Online: Você concorda com a criação de uma lei contra pornografia infantil na rede, você acha que funciona?
Fani Hisgail: Concordo, embora seja uma tarefa bastante complexa. A primeira dificuldade passa pelos provedores que, acredito, devam ser responsáveis pelo que acolhem. É preciso que respeitem um código ético. Mas, uma vez que a Internet é um meio de comunicação mundial, como criar uma legislação que valha para todos os países e considere suas diversas culturas? Na Índia, por exemplo, pré-adolescentes de 12 e 13 anos se casam e não se trata de pedofilia. É possível registrá-las cometendo atos libidinosos, mas que não tenham a ver com violência ou desrespeito de acordo com a cultura deles. É preciso considerar também os produtores dessas fotos e vídeos, pedófilos, e curiosos que se deparam com a pornografia infantil e ficam como voyeur. Todas as questões exigem muita reflexão. Não se pode esquecer ainda que existe, hoje, uma campanha contra a infância. Nos últimos dez anos, crianças de todo o mundo sofrem todo o tipo de violência e que não basta censurar fotos de bebês amarrados e torturados. Esse tipo de material testemunha um sofrimento da criança, representa um desrespeito aos direitos universais delas. Tirar do ar isso não garante o fim do abuso sexual ou da pedofilia. Os crimes poderão diminuir, mas não eliminaremos as patologias.
Fonte: Isto É Online